Inspire-se, jovem!

sexta-feira, 25 de agosto de 2017

NOBRE DERRADEIRO: O GNOMO NA ÁRVORE - UM CONTO DE DANIEL OLIVER

Não posso dizer que fui um cara muito acertivo na minha vida.
Sério!
Não me orgulho da maioria das minhas decisões. Caguei na maioria delas. Posso dizer, com toda a certeza do mundo, que eu sou aquele tipo de cara que todo mundo conhece. Aquele que é favorito do infortúnio.
É verdade. Por uma época da minha vida eu vivia me perguntando o que eu fiz para merecer tanta sacanagem do destino? Seria algum tipo de punição de alguma vida passada? Não sei. Tudo dava errado e eu gostaria de saber o motivo. Pra ser realmente sincero (e não vejo motivos para não ser… não mais), eu acho que no fundo sabia.
Aos dezoito anos de idade, somos ofuscados pela sensação de que tudo que sabemos é mais do que os outros sabem. Um pré-adulto desconhece a humildade. Mas de que importa agora. Remorso é o único sentimento que me faz lembrar os velhos tempos.
Então, voltando a falar de minhas decisões, de todas as piores escolhas da minha vida, uma delas foi a vencedora, definitivamente: e foi o dia em que eu decidi capturar um gnomo.
“O que?”
(…)
Vai, filho da puta. Pode rir se quiser. Eu sei exatamente o que está passando pela sua cabecinha. Provavelmente está pensando que isso é um mero conto de comédia ou o seu pensamento é similar ao do meu irmão Márcio quando eu falei para ele que um gnomo habitava a árvore centenária do quintal do meu vizinho traficante:
— Mano, para de usar drogas. Sério.
Meu irmão mais velho era o orgulho do papai e da mamãe. Um casal aparentemente feliz que, dentro de casa, não trocavam uma palavra. Minha irmanzinha, Renata, aos cinco anos de idade já tocava Bach no piano como o próprio Bach.
Minha mãe era corretora de imóveis, a melhor da firma. Ganhava por comissão, e estava a um ou dois passos de se tornar sócia. Meu pai, o conservador, era corretor também, mas da bolsa de valores. Este, meu caro, sabia enganar um magnata.
Papai e Mamãe, grande merda, eim. Só faltavam lamber a porra do saco do Márcio. Meu irmão mais velho tinha um ar arrogante (pudera) de um jovem e bem-sucedido advogado que ele estava prestes a ser.
E eu, por minha humilde vez, fazia o que eu sabia fazer melhor: nada. Este “nada” inclui poucas e boas como: ler filosofia, brigar com meu pai, escutar psytrance, bater punheta e usar drogas no meu quarto (grande parte no final de semana). Extremamente sozinho. Atividades que serão as seguintes protagonistas destas infelizes memórias.
Tudo começou no dia em que (pela milionésima vez) fui comprar um rotineiro “quadrado” para meu rotineiro fim de semana, me masturbando e ouvindo Pink Floyd.
A merda começou a encostar no ventilador quando meu vizinho (John Lennon, o traficante), infelizmente, pela santa desgraça do destino, me mandou a oferta da condenação:
— Cara, peguei um “carregamento” raro  de mil quadrados, provavelmente os últimos do mundo.
Perguntei quais.
— É o francês, o Nobre Derradeiro.
Meus olhos brilharam.
— Aquele com a substância indefinida da Mesopotâmia?
— É, eu sei. Mais de vinte pessoas já me ligaram hoje, para reservar. — E então, ele veio com a frase que representa o gatilho mental da urgência, clássica do marketing. — Se você pegar vinte ele sai pela metade do preço.
Metade do preço, Metade do preço…
Aquilo ecoou pela minha cabeça. Fiz as contas rapidamente e descobri que tudo me custaria duzentos e cinquenta reais. Era exatamente o valor da minha mesada não merecida. Era tudo que eu tinha para o mês.
Mas parei para pensar, aquilo seria um empreendimento. Não precisaria gastar dinheiro com LSD por cinco meses e, além disso, aquele não era qualquer um, era o Nobre Derradeiro. Seriam cinco meses de loucura. Poderia até vender.
Meus olhinhos drogados e gananciosos brilharam. Dito e feito.
Voltei para casa com uma cartela 4X5, retangular. Com a sensação de ter feito a melhor compra de toda minha vida. E, sinceramente, até hoje foi mesmo.
Corri para o meu quarto, abri o guarda roupas, e coloquei aquele papel mágico dentro de uma pochete antiga, que eu tinha apenas para a finalidade de armazenar meus empreendimentos psicodélicos.
Era sábado de manhã, e eu não queria adiar nem mais um minuto. A vontade louca de me drogar foi urgente. Peguei minha toalha, corri para o banheiro, tomei o banho mais caprichado da minha vida, bati uma punheta, demorei quarenta minutos (meus pais não estavam em casa, ainda. E minha irmã tava no quarto dela ouvindo algum cantor pop adolescente, ocupada demais para regular meu banho).
Quando acabei, corri para o quarto, abri meu laptop e já fui colocando “Hey You” do Pink Floyd, quando olhei pela janela para a árvore centenária do meu vizinho traficante. Um pequeno homem de gorro pontudo e vermelho, com uma bolsa hipster e uma longa barba saia de um pequeno buraco no tronco e seguia para dentro da casa de John Lennon. Meus olhos não podiam acreditar naquilo. Era a porra de um gnomo. Um gnomo feioso estava indo para dentro da casa do meu traficante.
Na mesma hora, liguei para meu irmão, Márcio, foi quando ele zombou da minha cara e me deu o conselho de nao usar mais entorpecentes. Fiquei furioso, obviamente. Eu não tinha usufruído ainda do Nobre Derradeiro e ele já me tratava como se eu fosse um merdinha drogado. Foda-se. Desliguei e voltei esperando o gnomo voltar para árvore. Passaram-se alguns minutos e lá estava o feladaputinha, carregando um pacote enorme de maconha sobre sua cabeça maliciosa e levando para dentro da árvore.
O gnomo estava roubando drogas.
Por um momento, eu senti uma vontade irresistível, e essa vontade foi minha condenação. Eu queria capturar aquela criatura pequena, e mantê-lo em cativeiro para sempre no meu armário. Imagine quantas garotas eu ia pegar se eu mostrasse esse gnomo para elas, como meu pequeno poodle.
Naquele momento eu não sabia, foi apenas depois, em uma pesquisa não-tão-profunda, em que eu descobri que o desejo de capturar gnomos é comum em quem tem o privilégio de ver um. É uma maldição, que faz parte do encanto dessas criaturas. Enquanto as sereias causam tesão em um homem, o gnomo causa um inexplicável instinto secreto de caça e captura.
O fato era que eu precisava ter aquele bicho.
Imagine a onda que eu teria com o Nobre Derradeiro sabendo que eu tinha um gnomo preso e amarrado dentro do meu armário? Eu queria tê-lo, queria torturá-lo, queria me masturbar e gozar naquela carinha pequena. Eu sei que parece doentio, mas esse era meu desejo. Era tudo que eu queria naquele mísero momento. Eu ia pegar aquele bicho, e quase que instantaneamente eu sabia como iria fazê-lo. Iria pular o muro que separa meu quintal do quintal do vizinho, esperaria atrás da árvore e quando ele saísse eu iria usar a rede de limpar piscina para imobilizá-lo.
Mal podia esperar, fui até a garagem do meu pai, peguei a rede. Em seguida fui até a escrivaninha da minha mãe e peguei o pote de éter, que ela usava de maneira irresponsável para cair no sono rapidamente (deve ser por isso que ela está com um tumor no cérebro hoje… enfim). Tudo estava na mesma gaveta em que ela guarda os comprimidos de viagra e os vibradores (todos da cor preta, vai saber). Fui até a cozinha para pegar papel toalha e voltei ao meu quarto para pegar a corda de escoteiro. Coloquei tudo na mochila, tirando, é claro, a enorme rede de limpar piscina.
Pulei o muro do vizinho sem dificuldade e me escondi rapidamente atrás de um arbusto no quintal dele, ao perceber que a pequena criatura saiu da sua toca, em plena luz do dia, para mais um corre de roubo de drogas.
Fiquei lá até ele sair da casa, de novo. Vi que em sua pequena bolsa hipster ele colocou uma grande cartela de uns 10X10 do Nobre Derradeiro, dobrado umas duas vezes.
O pequeno entrou de novo na árvore.
Imediatamente, peguei meus artefatos de captura e fui para trás da enorme árvore. E lá, fiquei aguardando novamente a saída daquele ser. Eu estava decidido a ficar ali o tempo que precisasse, eu queria aquele gnomo.
Enquanto esperamos o retorno daquele pequeno ser mitológico, vamos falar brevemente sobre aquela árvore centenária.
Para definir bem, precisaríamos de cinco homens grandes para abraçar aquela incrível obra da vegetação. É curioso dizer, mas a última moradora (falecida tia de John Lennon) estava determinada a cortar aquela árvore que ficava, na opinião dela, deplorável naquele quintal. Isso era meio verdade. O problema é que ao se espalhar a notícia, alguns retardados sem causa decidiram lutar juridicamente para que a árvore não fosse derrubada. Eles ganharam e, sem muito esforço, a tia de John Lennon, ganhou o ódio da vizinhança. Por causa daquela árvore idiota ela foi perseguida. Vários jogavam ovos podres em sua casa, pixavam seu muro e deixavam mensagens de ódio em sua caixa de correio. Não demorou muito pra velha suicidar. E como ela fez isso? Exatamente, se pendurou pelo pescoço em um dos grossos galhos da bendita árvore centenária. Para que depois, dez anos depois, eu visse um gnomo sair de lá.
Fiquei muito tempo esperando e o bicho não saia por nada.
Passou uma hora e eu fiquei esperando.
Passou duas horas e… nada.
Estava quase cochilando atrás daquela árvore quando ouvi o barulho.[
Era ele, o gnomo.
O pequeno saiu da árvore e começou a caminhar. Como uma onça silenciosa, pulei em cima dele, usando todo o peso do meu corpo para imobilizá-lo. A criatura se contorcia debaixo do meu tronco, que estava esticado no chão. Aquele bicho era pequeno, mas tinha uma força sobrenatural. Com dificuldade, eu consegui pegar a corda de escoteiro a usei para amordaçar o gnomo. Ele não falava, apenas resmungava, como um alemão nervoso, adorador de Hitler.
Passei a corda por todo seu corpo até imobilizá-lo completamente. Finalmente eu o tinha. Me levantei e vi aquele ser asqueroso e pequeno todo amarrado, me encarando com uma raiva evidente.
Sem demora, eu o peguei, peguei todos os artefatos lá de casa e pulei o muro de volta (lembrei que não precisei usar a rede, fiquei feliz por aquilo).
Deixei tudo no quintal, corri para meu quarto com o gnomo, carregando-o como se fosse o último pote de biscoito da casa. Fechei a porta, tranquei e coloquei a criatura em cima da cama.
Fiquei extasiado, não sabia o que fazer primeiro com aquele trosso mal-humorado.
Tirei a corda da boca dele, puxei uma cadeira e comecei a perguntar.
— De onde você veio, seu merda repugnante? — Minha voz refletia um êxtase misturado com ódio, eu tinha ódio daquela criatura. Apenas não sabia o porquê.
Ele não respondeu.
Eu levantei e dei um soco em seu nariz. Ele berrou. Eu ri. O melado desceu. Quebrar aquele nariz me dava um prazer quase sexual. Eu não consigo descrever.
— Responde, seu monte de lixo. — Agora eu puxava a barba dele.
— Seu filho de uma trasga, quebrou meu osso nasal. Vou acabar com sua raça. Humano asqueroso.
— Cala a boca, gnomo maldito. Agora você vai sofrer. — O pequeno homem de sessenta centímetros de altura me olhava com desprezo. Eu peguei uma tesoura, tirei um de seus sapatos medievais e posicionei a ferramenta em seu dedo mindinho. — Você já era, verme.
Fechei a tesoura, seu mindinho do pé voou. Pensar nisso hoje me dá pena daquela pobre criatura. Mas naquele momento, tudo que eu tive foi uma ereção. Ai que me veio a última péssima ideia:
Eu ia gozar na cara daquele gnomo.
Eu vi o carro dos meus pais chegando. E decidi que ia fazer isso rápido.
Tirei meu cinto, desabotoei e abaixei minha calça, e a cueca em seguida. Aproximei meu pau na cara do gnomo, que ainda gritava de dor. Olhava para o teto enquanto masturbava meu pau, que estava duro como um tijolo. Meu braço ficou cansado e troquei para a mão esquerda. Eu queria gozar, e queria gozar rápido.
Mas algo aconteceu.
Uma dor aguda tomou conta da minha piroca. Parecia que um líquido ácido tinha sido derramado na minha rola e escorria para minha mão esquerda. Olhei para baixo para ver o que era. Não acreditei.
Aquela criatura maldita deu o troco.
Olhei para minha rola e vi uma poça de sangue jorrando de onde ela ficava. O gnomo cuspiu para o lado e meu pênis decepado voou da sua boca. Junto com três dos meus dedos.
Aquela criatura sorriu pela primeira vez, e vi seus dentes afiados como os de um tubarão em miniatura.
Do nada, tudo começou a ficar escuro. E depois disso só me lembro de ter visto o vermezinho sair das cordas. O breu tomou minha visão.
Acordei em o que parecia ser uma cama de hospital, meu irmão Márcio estava ao meu lado. Quando ele me viu acordar, voou em cima de mim. Com ódio, como se fosse me matar. Um policial que estava do lado de fora do quarto o segurou a tempo.
— SEU MERDA, EU VOU TE MATAR SEU MERDA. VOCÊ NÃO MERECE NADA ALÉM DA MORTE SEU DROGADO DE MERDA. — Ele gritava enquanto saia do quarto.
Um outro policial veio falar comigo.
— Meu jovem, você está preso e tem o direito de permanecer calado.
Eu sabia. Ele com certeza tinha achado minha cartela de Nobre Derradeiro. Merda.
Olhei para minha mão esquerda, estava enfaixada. E estava presa à cama por uma algema. Com a outra mão fui apalpar meu pau. Senti dor ao encostar. Ele não estava lá.
— O que aconteceu? Perguntei ao policial.
— Você está preso pelo assassinato de seus pais e sua irmã mais nova.
Eu não estava acreditando, aquele maldito gnomo. Eu fiquei pasmo.
— Eles estão mortos? Como assim…
— Poupe-me, sabemos que você é usuário de drogas. Foi o que indicou nosso exame.
Comecei a chorar, a merda se espalhou. Pensei na minha família, minha irmãzinha. E uma lágrima começou a sair. Pensei no meu pau,  desabei.
— Eu não fiz nada — falei chorando como uma criança de dois anos de idade — Foi o gnomo, aquele maldito gnomo horroroso.
O policial deu uma gargalhada.
— Esses drogadinhos de classe média. São péssimos em inventar desculpas.
— A porra do gnomo arrancou meu pau e matou minha família.
O policial saiu do quarto me ignorando.
Bom, basicamente, eu me fodi. Sim, fui condenado pelo assassinato de todos depois de usar LSD. O relatório da perícia diz que eu matei meus pais com uma “faca do rambo”, que meu pai guardava em sua gaveta (ele nunca gostou de armas de fogo) e que a cabeça da minha irmãzinha estava boiando na piscina. E pior, disseram que eu estava tão louco que cortei meu pau fora enquanto me masturbava.
Mas um pequeno detalhe me chamou mais a atenção… disseram que encontraram dezenove dos Nobres Derradeiros, e não vinte.
Maldito gnomo, além de tudo, ele roubou um dos meus quadrados.